Como evitar o erro mais comum entre escritores
Todas as semanas nós recebemos dezenas de livros de pessoas que querem ser agenciadas ou que querem nossa leitura crítica. E tem um erro que a grande maioria desses autores e autoras cometem: mostrar e não contar. Quer saber mais? Assista o vídeo ou continue lendo abaixo!
O que é mostrar e o que é contar?
Contar
Quando um autor está contando ao invés de mostrar, ele simplesmente enumera o que está acontecendo, sem trazer o leitor para dentro da história. Ele está falando para o leitor o que sentir, sem induzir o público a esse sentimentos. Por exemplo:
Depois que Daniel terminou com ela, Maria chegou em casa, profundamente triste. A sua única vontade era chorar por dias sem fim.
Dessa forma, a narrativa conta exatamente como Maria se sente – é didático e simples demais, além de não conseguir demonstrar para o público o que está acontecendo.
Mostrar
Mostrar, por outro lado, é imergir o seu público na narrativa. Quando a história mostra, ela pinta uma cena, faz com que o público sinta que está dentro daquele momento. Dessa maneira, quem está lendo experimenta o que o personagem está sentindo.
Maria fechou a porta da sua casa com um estrondo. Tentou trancar a porta, mas não conseguia acertar a fechadura: suas mãos tremiam e não conseguia ver através das lágrimas. E era tudo culpa dele. Depois de alguns instantes de frustração, desistiu de trancar a porta e foi direto para o seu quarto. Não notou o pôr-do-sol entrando pela janela; apenas se jogou na cama sem cerimônias, de olhos fechados, sem dormir, tentando não pensar em Daniel. Foi só depois de algumas horas que os espasmos e soluços cessaram.
O narrador não fala que Maria está triste, e nem explica o motivo. Apesar disso, a cena é clara e muito mais forte. Isso porquê o público enxerga as ações e os pensamentos da personagem e deduz as suas emoções. É possível ver o episódio acontecendo; a narração retrata uma cena, fazendo o público imaginar a ação em sua cabeça.
Foi Chekhow que resumiu de forma maravilhosa o que é mostrar e não contar:
Não me diga que a lua está brilhando. Me mostre os respingos de luz em vidro partido.
Dê o 2+2, não o 4.
Um grande segredo da escrita – e também de qualquer narrativa – é que o público quer participar da história. As pessoas querem deduzir, supor, ligar os pontos; isso engaja o público, faz com que eles participem ativamente da sua narrativa.
Uma pessoa que resumiu bem esse conceito foi Andrew Stanton em sua palestra no Ted. Para quem não conhece, Andrew foi roteirista de Vida de Inseto, Toy Story, Monstros S.A., além de ter escrito e dirigido Wall-E, Procurando Nemo, Procurando Dory e John Carter. Ele entende do assunto!
O que Andrew diz é para dar o 2+2, ao invés do 4. Isso significa não dar as respostas mastigadas para o público, mas dar os elementos para ele chegar na conclusão certa. Isso se relaciona diretamente com mostrar e não contar. Mostrar Maria tremendo e soluçando é dar 2+2; contar que Maria estava muito triste é dar o 4.

Dicas para mostrar
i. Efeito é melhor do que causa
Ainda se mantendo no exemplo de antes, as mãos de Maria que tremem e ela soluçando são os efeitos. Maria estar triste é a causa. Uma boa diretriz para mostrar e não contar é sempre dar os efeitos e deixar o público deduzir a causa.
Vamos supor que o seu personagem é claustrofóbico e entra obrigado em um elevador. Ao invés de simplesmente dizer:
Paulo entrou no elevador – o que era um grande terror, pois ele era claustrofóbico; de repente, ele se viu em um estado de pânico total.
Seria muito mais interessante mostrar:
As portas do elevador se fecharam. Imediatamente, Paulo começou a suar frio. E se elas nunca mais se abrissem? Ele fechou os olhos, tentando fingir que estava em um campo aberto, mas a escuridão só fortaleceu a sensação de estar confinado em uma caixa de metal, sem escapatória. Paulo tentava respirar fundo enquanto o barulho do elevador se misturava às batidas do seu coração.
Aqui, novamente, nós mostramos os efeitos: Paulo suando frio, as batidas do coração, sua paranóia de ficar preso no local fechado. Em nenhum momento a narração precisa dizer que Paulo é claustrofóbico; mesmo assim, nós entendemos perfeitamente quais são os medos e traumas da personagem.
ii. Concreto é melhor do que abstrato
Muitas das palavras que usamos no dia-a-dia são abstratas: felicidade, tensão, estranho, suspeito, irritada, etc. Na hora de escrever, é importante nos mantermos atentos para evitar essas palavras, ou, pelo menos, justificar o que estamos querendo dizer.
Por exemplo, se o seu personagem entra no bar, talvez ele ache que o lugar tem uma atmosfera suspeita. Essa personagem pode realmente estar achando tudo suspeito, mas precisamos dar as mesmas pistas para o leitor. É mais interessante descrever como os clientes do bar estavam todos estranhamente quietos, os vidros das janelas estavam quebrados, o barman olhou longamente e então cuspiu no chão, ou qualquer outra observação concreta para demonstrar a abstração de que o bar é suspeito.
iii. Detalhe é melhor do que genérico

É muito comum autores e autoras descreverem lugares e situações contando, ao invés de mostrando. Uma boa dica para não cair nesse erro é pensar nos detalhes da cena. O específico ajuda na imersão e traz verossimilhança à narrativa – além de muito charme.
O estúdio estava cheio de pinturas nas paredes, e, bem no centro, havia um balcão com tintas, pincéis e algumas folhas desenhadas. Presa à porta, havia uma bicicleta.
Essa descrição não é terrível, mas é genérica. Que pinturas são essas? Como eram essas tintas? E a bicicleta?
O estúdio estava cheio de pinturas nas paredes; na esquerda, uma tela de quase três metros mostrava uma mulher nua dançando com cobras; na direita, apenas um quadro pequeno pintado totalmente de vermelho. No centro da sala, um balcão pululava de tintas – laranjas vivos, marrons escuros e cores da terra -, pincéis grandes e pequenas, e folhas desenhadas com esboços de corpos humanos e objetos cotidianos: vasos, maçãs, abajures. Presa à porta, uma bicicleta vermelha, com as rodas sujas de lama e uma sacola pendurada no guidão, onde se lia “Armazém da Terra”.
Com detalhes específicos, a cena fica viva. As especificidades, além de imergirem o leitor no universo, podem trabalhar subjetivamente na caracterização da personagem e do espaço (nesse exemplo, as cores vermelhas e as referências à terra e à lama).
iv. Pensamento e ação são melhores que emoções
Nos exemplos de Maria e Paulo, já vimos que traduzir emoções para pensamentos e ação é uma forma prática e garantida de mostrar em vez de contar. Essa é sempre a dica de ouro: traduzir ideias como bravo, melancólico e grata por ações (Daniel chutou o gato que passava na rua, Juliana apagou as luzes da casa e ficou sentada no escuro, Márcia acendeu um incenso e começou a rezar) ou por pensamentos (“Que merda! Isso não devia ter acontecido”, “Nada mais vai ser como antes”, “Eu nem sei se mereço tudo isso!”).
Dica: escreva como se fosse um filme
No início da sua escrita, imagine que, em vez de um livro (ou conto, ou qualquer formato), você precisa filmar a sua cena. Ou seja, tudo o que você precisa passar para o seu leitor ou leitora deve ser visual, concreto, “filmável”. Não é possível filmar amor, mas é possível filmar um casal dormindo abraçados em uma cama de solteiro.
Essa lógica, em um primeiro momento, vai te ajudar a sair do universo do contar, que é típico da linguagem e da informalidade, e te inserir na lógica do mostrar, onde as ações, a concretude e o específico são os guias. Não dá para filmar “uma mesa”: qualquer mesa a ser filmada será de um tamanho específico, de alguma cor, com características únicas.
Claro que isso tem um limite. É normal – e desejável – que algumas descrições, ou partes de descrições, sejam genéricas. Além disso, cheiros e sensações não podem ser traduzidas em filme. E, claro, não queremos que a sua obra seja um filme! No entanto, a lógica de escrever como uma câmera pode ajudar muito, especialmente em um primeiro momento.
Quando contar e quando mostrar
Saber mostrar é essencial para todo autor e autora. É um dos elementos que separam amadores de profissionais, e é imperativo que você domine essas técnicas se quiser escrever de maneira mais respeitável.
Apesar disso, nem tudo precisa ser mostrado o tempo inteiro – ou então cada parte do seu livro seria enorme e arrastada. É importante também saber em quais momentos contar, e em quais momentos mostrar.
De forma geral, as partes importantes da sua obra serão mostradas. As cenas, os eventos principais, as reviravoltas… Sempre que a passagem for um dos acontecimentos da sua trama, ela deve ser mostrada.
Passagens de tempo, por sua vez, podem – e devem – ser contadas. Rotinas ou exposições necessárias também se beneficiam da narração. Essa mudança, de mostrar para contar e vice-versa, inclusive sinaliza para o leitor quais são as passagens realmente dramáticas e importantes, e quais são aquelas que não tem tanto peso narrativo.
Se você tem dúvida se o seu texto está mostrando ou contando, ou quer nossa ajuda para entender como melhorar seu livro – ou se ele tem boas chances no mercado – é só pedir um orçamento pra nossa leitura crítica!